O QUE SIGNIFICA SER UM CENTRO DE EXCELÊNCIA EM PROGRAMAS ESPORTIVOS PARA A IGUALDADE DE GÊNERO E EMPODERAMENTO DE MENINAS E MULHERES NO BRASIL?

Autoras: Beatriz Akutsu e Mariana Koury

Em abril de 2022, a Empodera -Transformação Social pelo Esporte foi reconhecida pela ONU Mulheres como um Centro de Excelência em Programas Esportivos para a Igualdade de Gênero e Empoderamento de Meninas e Mulheres no Brasil. Mas o que significa isso?

Antes de responder a essa pergunta é importante expor e refletir sobre a noção do esporte como um direito de todas as pessoas, previsto nos artigos 6º e 217 da Constituição Brasileira de 1988 e no artigo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Por fim, há ainda a Lei 9.615 de 24 de março de 1998, conhecida como Lei Pelé, que, entre outras coisas, caracteriza práticas desportivas e rege sobre responsabilidades e orientações para políticas públicas. 

Porém, o direito ao esporte não é acessado por todas as pessoas e grupos sociais da mesma forma. O Diagnóstico Nacional do Esporte (2013), produzido pelo Ministério do Esporte, traz alguns dados interessantes. Ao analisar o perfil das pessoas sedentárias, a pesquisa mostra que 50,4% das mulheres são sedentárias, enquanto os homens são 41,2%. Em relação ao abandono da prática esportiva, até os 15 anos, 34,8% das meninas abandonam o esporte, enquanto em relação aos meninos esse número é de 19,3%. No suplemento especial sobre esporte da PNAD de 2015, há dados que trazem ainda um olhar de raça e classe sobre a prática esportiva, o que é fundamental para entendermos todos os atravessamentos dessa questão. Segundo a pesquisa, a prática de esporte entre os homens  foi de 31,7%, significativamente  superior à observada entre as mulheres (16,9%). Em relação à raça, 24,8% das pessoas brancas praticaram algum esporte no ano anterior, enquanto em relação às pessoas negras esse percentual foi de 23,2%. De acordo com a coleta de dados de 115 membros da Rede Esporte pela Mudança Social (REMS), referente à 2020,  essas organizações atenderam 35.829 meninos de até 18 anos, enquanto o número de meninas na mesma faixa etária  foi 27.505, o que corresponde a cerca de 76% do número de meninos. 

Para além da questão do acesso e permanência no esporte, há desigualdades de gênero e raça em outras esferas dessa relação. Já é um debate de ampla repercussão – porém ainda com poucos avanços – a diferença de premiação, salários e patrocínios recebidos por atletas homens e mulheres. Um exemplo disso é demonstrado no levantamento feito pela revista  France Football em 2019. Ele mostra que a Marta, jogadora do Orlando Pride (EUA), recebia por temporada cerca de R$ 1,47 milhão enquanto o Neymar (Paris Saint Germain – França) recebia R$ 396 milhões. Apesar de um dado como esse não aprofundar no debate estrutural das causas e como a desigualdade de gênero se mostra no âmbito esportivo, ele é bem ilustrativo sobre os desafios que temos pela frente. 

A partir dessa compreensão da relação entre gênero e esporte, é necessário entender o porquê é importante a existência de Centro(s) de Excelência em Gênero e Esporte no Brasil.  Criar espaços compostos por pessoas qualificadas, com diferentes experiências e formações, que debatem o acesso e a permanência das mulheres em práticas esportivas diversas, contribui de forma significativa para a produção do conhecimento nessa área. Esse movimento serve de subsídio para a promoção dessa perspectiva e pode influenciar políticas públicas e outros atores institucionais relevantes em prol da equidade de gênero.

Nesse sentido, o objetivo da Empodera reconhecida enquanto um Centro de Excelência em Programas Esportivos para a Igualdade de Gênero e Empoderamento de Meninas e Mulheres no Brasil é contribuir de forma qualificada para o debate sobre gênero e esporte no Brasil através do desenvolvimento de metodologias, produção, sistematização e divulgação de dados e da disseminação de conhecimento nessa temática

Para isso, o tripé suporte técnico, desenvolvimento e adaptação de metodologias esportivas e implementação direta de programas faz parte da estratégia da Empodera e é o pilar que estrutura as práticas da organização. O suporte técnico para outras organizações diz respeito ao apoio para a criação de espaços seguros e inclusivos para meninas no esporte através da disseminação de metodologias, práticas, temáticas, reflexões e debates.  Em relação ao aspecto metodológico, a promoção da participação ativa é um princípio fundamental. Entende-se por “ativa” não apenas no sentido de “dinâmica”, que utiliza o corpo como ferramenta de aprendizado, mas também como uma participação que estimula e promove o envolvimento de todas as pessoas. Por fim, a implementação direta de programas tem como objetivo contribuir para impulsionar o empoderamento de meninas adolescentes em diferentes espaços da sociedade. Para além desses aspectos, um Centro de Excelência precisa basear suas informações em conhecimento científico que contribuem para a leitura e análise da sociedade, mas também ser um espaço de criação, sistematização e difusão de dados que ilustram e explicam temas abordados e práticas realizadas. 

Esse trabalho realizado pela Empodera em seus cinco anos de existência já teve resultados e reconhecimentos que corroboram a sua consolidação no debate de gênero e esporte e nas práticas desenvolvidas pela organização em prol da contribuição para uma maior e mais qualificada participação de meninas em projetos esportivos. 

Em relação à implementação direta de projetos esportivos com meninas adolescentes, temos alguns dados relevantes que demonstram a importância dessas atividades na desconstrução de estereótipos de gênero. Em 2019, por exemplo, o percentual das participantes do Programa Uma Vitória Leva à Outra que concordavam com a afirmação “meninas devem evitar praticar esportes ou outras atividades físicas durante o período menstrual” caiu de cerca de 47% para 23%. A porcentagem de meninas que participaram do mesmo programa no ano de 2021 que consideram ter informações sobre como seguir carreira profissional no esporte aumentou de 49,12% para 62,39%.

Outro aspecto importante foi o papel exercido pela Empodera entre 2019 e 2022 enquanto Secretaria Executiva da Coalizão de Impacto Coletivo Meninas e Mulheres no Esporte, coordenada pela ONU Mulheres. Essa coalizão foi uma aliança estratégica desenvolvida por e para organizações da sociedade civil, empresas, entidades governamentais e de outros setores para contribuir com a promoção da equidade de gênero no Brasil. Seus objetivos são: aprender, experimentar e adaptar coletivamente as abordagens existentes; bem como explorar oportunidades de inovação em metodologias e ferramentas específicas para capacitar meninas e mulheres por meio do e para o esporte.

Além disso, em 2020, a Revista AzMina lançou o Elas no Congresso, plataforma para monitorar e avaliar a atuação parlamentar no Congresso Nacional em relação aos diferentes temas que perpassam as vidas das mulheres.As avaliações dos projetos de leis criados pelos deputados e senadores foram feitas por organizações que atuam na defesa dos direitos das mulheres no Brasil. A Empodera foi a responsável por analisar os projetos esportivos que afetam as mulheres, tendo que indicar  se são favoráveis ou não aos direitos das mulheres e se são muito ou pouco relevantes para a causa. Além da Empodera, as outras organizações que participaram desse projeto analisando projetos de lei relacionados à violência contra a mulher,  licença-maternidade e aborto, entre outros, foram o Instituto Maria da Penha, Instituto Patrícia Galvão, Themis, Artigo 19, Observatório da Violência Obstétrica no Brasil, Rede Feminista de Juristas deFEMde, Coletivo Mana a Mana, Anis, Ecos, Sempreviva Organização Feminista (SOF), Sexuality Policy Watch (SPW), CFEMEA, Grupo de Estudos de Gênero e Política (Gepô – USP), LabCidade (USP), Mulheres Negras Decidem e Cepia.

Apesar dos grandes avanços na promoção da equidade de gênero no meio esportivo e na sociedade como um todo, há ainda desafios que precisam ser superados. Primeiramente, levantar dados e desenvolver ferramentas de inclusão específicas para mulheres em toda a sua diversidade, como as mulheres negras transexuais e com deficiência. Isso nos leva ao segundo ponto: a necessidade primordial de um maior investimento em pesquisas com essas interseccionalidades que possam contribuir para a sistematização desses dados e, assim, orientar projetos e políticas públicas.

Por último, está colocado também o impacto que a pandemia da Covid-19 trouxe para as meninas e mulheres de uma forma geral mas também em relação à prática esportiva. Em situações de isolamento social, muitas vezes, as meninas e mulheres ficam presas em casa com seus agressores. Além disso, nessas situações, as meninas podem perder contato com círculos sociais que são fundamentais para a construção de redes de apoio. Por isso, pensar e desenvolver estratégias específicas para responder a esses problemas nesse contexto pandêmico e pós pandêmico é o que precisa ser feito. 

Dessa forma, ser um Centro de Excelência em Programas Esportivos para a Igualdade de Gênero e Empoderamento de Meninas e Mulheres no Brasil nos coloca não apenas com um papel estratégico fundamental no âmbito dessa discussão mas, mais do que isso, amplia nossas responsabilidades com as meninas, parceiros privados e públicos e a sociedade como um todo. Queremos expandir nosso trabalho e atuação e contribuir para que haja mais Centros de Excelência em Gênero e Esporte e que, assim, possamos de forma conjunta contribuir para a efetivação da equidade de gênero. 

Fontes:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidente da República, [2016]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 20 abr. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Dispõe sobre normas gerais sobre desporto e dá outras providências.Brasília, DF, [1998]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9615consol.htm. Acesso em 20 abr. 2022.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei 8.069/90. São Paulo, Atlas, 1991

IBGE. Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios. Suplemente de Práticas de esporte e atividade física: 2015. Rio de Janeiro, 2017

FUTEBOL: INTERSECÇÕES DE GÊNERO, CLASSE E RAÇA NO BRASIL. Movimento (Porto Alegre), v. 27, p. e27006, 2021. DOI: 10.22456/1982-8918.109328. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/Movimento/article/view/109328. Acesso em: 25 abr. 2022.

MARTINS, M. Z.; SILVA, K. R. S.; VASQUEZ, V. As Mulheres e o país do futebol: intersecções de gênero, classe e raça no Brasil. Movimento (Porto Alegre), v. 27, e27006, jan./dez. 2021. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/Movimento/article/view/109328. Acesso em:25 abr 2022. DOI:https://doi.org/10.22456/1982-8918.109328

VISIÓN GENERAL DE LAS REPERCUSIONES DE LA PANDEMIA DE COVID-19 EN LOS NIÑOS EN EL ÁMBITO DEL DEPORTE: Centre for Sport and Human Rights, 2021.

VIVENDO EM LOCKDOWN: AS MENINAS E A COVID. Plan International, 2020.

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