02/02/2023 . Redação: Ivana Di Mauro e Alexsandra Macário | Revisão: Beatriz Akutsu e Jane Moura

Em 2022, a Empodera implementou o Projeto MOVE: Meninas Movendo as Estruturas, um projeto piloto em parceria com a  Women Win e a Moving the Goalposts (Quênia), financiado  pelo National Democratic Institute dos Estados Unidos. O projeto teve como objetivo contribuir para a formação político-cidadã de 30 meninas adolescentes, sendo implementado no Colégio Estadual Júlia Kubitschek (Centro-Rio), durante o 2º semestre de 2022, com o apoio da Secretaria Estadual de Educação do Rio de Janeiro (SEEDUC) e do Projeto Sem Vergonha (PSV).

Desde o primeiro dia, algumas meninas participantes faziam questão de afirmar que política era algo chato e distante delas. O resultado da pesquisa de linha de base aplicada no início do projeto mostrou que apenas 34% diziam se sentir confortáveis para conversar sobre política com outras pessoas. Mas afinal, o que é política e por que vemos poucas meninas e mulheres ocupando posições de liderança em tais espaços?

Não é possível entender a nossa realidade sem olhar para as estruturas que influenciam as oportunidades e acessos que as pessoas têm ao longo da vida, e que influenciam também a nossa socialização desde antes mesmo de nascermos. Sim, a depender do sexo biológico atribuído à criança, sabemos que as famílias pintam seu quarto de uma certa cor, compram determinadas roupas e brinquedos, e criam expectativas sobre o seu futuro de acordo com o que a sociedade considera adequado às meninas e aos meninos. Isso quer dizer que educamos e socializamos as crianças com base em ideias construídas histórica, social e culturalmente sobre o que é ser menina e o que é ser menino, reafirmando (mesmo sem a intenção) papéis sociais, comportamentos e posições que colocam as meninas e mulheres em desvantagem em relação aos meninos e homens, especialmente se forem negras, indígenas, transexuais, lésbicas, bissexuais, com deficiência, rurais, periféricas, faveladas e/ou pertencentes a outros grupos vulnerabilizados. 

Foto: Empodera / Alexandre Pinheiro

Não é uma mera coincidência, por exemplo, que as meninas sejam as principais responsáveis pelos afazeres domésticos em casa. De acordo com a pesquisa “Por ser menina” (PLAN, 2022), 67,2% das meninas brasileiras realizam as tarefas domésticas em casa, enquanto que a porcentagem relativa aos meninos não chega nem à metade disso (31,9%). Por outro lado, são os homens que majoritariamente dominam cargos políticos e posições de poder estratégicas. Atualmente, temos uma câmara nacional de deputadas e deputados composta por apenas 18% de mulheres, mesmo elas representando 52% da população brasileira. Se olharmos especificamente para a raça dessas mulheres eleitas, 64% são brancas, 32% são negras e apenas 4% são indígenas. O olhar para raça e classe é indispensável para identificar que até entre as meninas e mulheres, as oportunidades e os acessos também são desiguais. 

Assim, o projeto focou em estimular, além da participação política e o engajamento comunitário das participantes, o seu olhar crítico sobre as causas dessa baixa representatividade que, geralmente, são as mesmas raízes que atravessam também a vida de muitas meninas brasileiras. Desse modo, ao longo da implementação do Projeto MOVE, subiu de 48,28% para 91,30% a porcentagem de participantes que consideraram muito alto ou alto os seus conhecimentos sobre os desafios que as mulheres enfrentam na política.

“O projeto MOVE contribuiu em muitas coisas para a minha vida. Uma delas foi sobre a minha consciência política, ou melhor, sobre representatividade, especialmente de mulheres pretas na política. Através disso, percebi que realmente existe uma enorme desigualdade de gênero e raça também no âmbito político, e existem poucas mulheres, principalmente negras, nos espaços políticos no Brasil. Aos poucos, comecei a me perguntar o porquê disso.”

– Marcelly, participante do projeto MOVE: Meninas Movendo as Estruturas

Em paralelo com os relatos das participantes do projeto, a pesquisa da Plan revelou ainda que 84% das meninas brasileiras não se sentem representadas em espaços políticos institucionais. Isso é problemático porque quando as meninas não se vêem representadas em algumas posições, elas assumem que tais espaços não são para elas. No mundo inteiro, meninas e mulheres são marginalizadas da esfera política devido a práticas culturais, sociais e econômicas discriminatórias, barreiras institucionais e violência política de gênero, que acabam por limitar o seu acesso e permanência em espaços de poder. 

Foto: Empodera / Alexandre Pinheiro

Assim, diante de uma estrutura que silencia as diversas vozes das meninas brasileiras, promover projetos sociais exclusivos para elas é garantir mais um direito das meninas violado: o direito à participação política e comunitária. Tanto o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), como a Declaração dos Direitos Humanos (1948), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989), e o Estatuto da Juventude (2013), defendem a posição das/os  adolescentes como “sujeitos de direito” e garantem o exercício da cidadania e democracia, bem como o direito de participar da vida familiar, comunitária e política. A sociedade brasileira precisa, portanto, enxergá-las como agentes sociais ativos, com potencial de ação e transformação das desigualdades que atravessam suas realidades, e é esse olhar que o projeto traz em suas ações. Ao final do MOVE, subiu de 62% para 78,3% a porcentagem de  participantes que afirmaram se sentir confiantes para articular com outras pessoas e falar sobre os problemas da sua comunidade. Isso revela o potencial do incentivo a projetos sociais com tal foco: além de consistir em uma prática afirmativa na busca pela equidade de gênero, também representa uma oportunidade para que as meninas se apropriem e usufruam de espaços e direitos que também são seus e, assim, se reconheçam como agentes de transformação de suas vidas e comunidades. Esse processo pode ser observado, por exemplo, na fala da Ana Vitória que segue abaixo:

“Além de abrir meus olhos para esses assuntos que são pouco comentados, o projeto também me ensinou que posso tentar mudar a minha comunidade através do meu próprio engajamento comunitário, muita perseverança e espírito de liderança – algo que anteriormente eu achava impossível”

– Ana Vitória, participante do projeto MOVE

É curioso que quando falamos em participação política, a maioria das pessoas associam imediatamente à política partidária. Contudo, a ideia de política está atrelada à organização de vida coletiva, ou seja, todos os atos se configuram como ato político, desde as mais simples discussões (reuniões de coletivos, reuniões de condomínio, conselhos escolares, entre outros), até as percepções diárias de ausência ou garantia de direitos, e os debates e aprovações de leis que ocorrem no Congresso Nacional. Portanto, é preciso desmistificar a concepção de que política é algo distante e inalcançável, pelo contrário, está presente em tudo que fazemos no cotidiano. Foi a partir desta perspectiva que o Projeto MOVE trabalhou a formação político-cidadã das participantes, algo que se reflete nos resultados das pesquisa de linha de base inicial e final: se ao início do projeto apenas 34% das participantes se sentiam confortáveis para conversar sobre política com outras pessoas, por exemplo, ao final do projeto esse número subiu para 74%. É o que exemplifica a fala de Ana Carolina, participante do MOVE:

“O projeto MOVE potencializou uma mudança na minha comunicação, agora consigo expor minha opinião com mais facilidade e aprender com isso. E também comecei a ver que a política é um movimento que está presente no meu dia a dia, e que a fala “não quero me envolver com política” não faz sentido porque viver é político.”

– Ana Carolina, participante do projeto MOVE

Foto: Empodera / Alexandre Pinheiro

E o que o esporte tem a ver com isso?

Em primeiro lugar, o esporte é um direito que, assim como a participação política, tende a ser pouco garantido para as meninas e mulheres brasileiras: 90% das adolescentes de 11 a 17 anos são sedentárias no Brasil (OMS, 2019). São diversas as barreiras que limitam o acesso e a permanência das meninas no esporte, entre elas a sobrecarga com afazeres domésticos e com o cuidado de outras pessoas da família; a necessidade de trabalhar e contribuir para a renda familiar; o assédio e a sexualização dos corpos das meninas; a reprodução de estereótipos nocivos; a falta de incentivo e oportunidades para o esporte de mulheres; ou mesmo a falta de acesso à uma boa estrutura e equipamentos esportivos que garantam uma prática esportiva atrativa e de qualidade. 

Dito isto, a oportunidade de praticar esporte por meio do Projeto MOVE fez com que subisse de 65,5 para 95,5 a porcentagem de participantes que praticam esportesE, além de incentivar a prática esportiva como um direito das meninas, o Projeto MOVE também utilizou estrategicamente o esporte como ferramenta para desenvolver diversas habilidades socioemocionais, como a resiliência, a coragem, o respeito à diversidade, a autoestima, liderança, comunicação, entre outras. Assim, o esporte potencializou habilidades importantes para o empoderamento das meninas e sua participação política e comunitária. Abaixo, a participante Yasmin comenta sobre o efeito que teve pessoalmente para ela a vivência na prática esportiva do Projeto MOVE:

“E em relação ao esporte, ele me fez enxergar que a gente pode ultrapassar nossos limites. Aquela vez que a gente aprendeu saque, por exemplo, eu falava que não sabia sacar, mas eu nunca tentei. Ou tentei, errei e não tentei mais. E [nas aulas do projeto], eu aprendi que eu tenho que realmente tentar, que eu não posso, por errar [uma vez], desistir daquilo.”

– Yasmin, participante do projeto MOVE
  • 1 PLAN, International. “Por ser menina”. 2022. Disponível em: <https://plan.org.br/wp-content/uploads/2021/11/por-ser-menina-resumo-executivo-final.pdf> Acesso em: 27 jan. 2022.
  • 2 Gênero e Número. “Mais mulheres, mais negros, menos avanço”, 2022. Disponível em: <https://www.generonumero.media/reportagens/mais-mulheres-mais-negros-menos-avanco/> Acesso em: 27 jan. 2022.
  •  |3 PLAN, International. “Por ser menina”. 2022. Disponível em: <https://plan.org.br/wp-content/uploads/2021/11/por-ser-menina-resumo-executivo-final.pdf>  Acesso em: 27 jan. 2022.